Exposições

A Arte nos Tempos do Café

Arte nos Tempos do Café

Acervo dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo.
Curadoria: Ana Cristina Carvalho
Expografia e coordenação de montagem: Celophane Cultural

As importantes mudanças sociais e econômicas em São Paulo entre as últimas décadas do século XIX e os anos 1930 foram especialmente conduzidas pela euforia vivida pela economia do café, tendo como elementos pontuais o crescimento e a urbanização das cidades, que passam a disponibilizar melhores condições e conforto para a população, até então, de perfil colonial. As radicais transformações nos meios de comunicação – a chegada do telégrafo, do rádio e da imprensa – e de transporte – como o desenvolvimento da rede ferroviária e dos navios a vapor – proporcionaram novas formas de vida e o desejo de modernização. As linhas de trem ligavam as regiões produtoras ao porto de Santos e seus itinerários seguiam por áreas de fazendas de café, promovendo também a formação e o progresso de centros urbanos no interior paulista e mudando sua fisionomia predominantemente rural por meio dos cartões postais das cidades: as estações ferroviárias.

 

 

A demanda de força de trabalho para a lavoura do café impulsionou a vinda de uma grande quantidade de imigrantes, especialmente italianos – que, naquela época, representavam mais de 70% do total de imigrantes que chegavam ao estado de São Paulo –, mudando costumes locais e marcando a vida nas fazendas e nas cidades. Mais da metade do fluxo de imigração dirigia-se para São Paulo, subvencionado pelo Governo do Estado, que dependia menos do apoio federal do que os demais estados, pois dispunha de recursos gerados pela economia cafeeira.
Além da maioria de italianos, portugueses, espanhóis e alemães, em 1908, chegaram os japoneses, que também se dirigiram às fazendas de café, às pequenas propriedades ou mesmo à capital. Esse fluxo de imigrantes que se estabeleceu em São Paulo determinou a riqueza e a diversidade da dinâmica cultural do período, trazendo para a produção artística paulista, durante a primeira metade do século XX, elementos conceituais, estéticos, formais e técnicos que formam características distintas da arte de outros estados brasileiros.

 

 

A presença da ferrovia transformou a cidade na capital do estado e em elo da produção cafeeira ao porto santista, passando a concentrar variadas oportunidades de comércio, desde produtos importados ao estímulo da produção industrial, a introdução de novas técnicas de construção e artesanato local – ensinadas pelos engenheiros, arquitetos, carpinteiros, marceneiros e pintores europeus que aqui chegaram a partir dos anos 1880 –, fazendo de São Paulo a cidade mais próspera do Império. De 1910 a 1930, as vendas de café representavam mais de 50% da exportação nacional.

 

 

 

Na política, o projeto republicano também apresenta seus laços com a cafeicultura paulista. De 1894 a 1930, na chamada República Velha, os governantes estaduais e os três primeiros presidentes civis do Brasil – Prudente de Moraes, de Itu; Campos Salles, de Campinas; e Rodrigues Alves, de Guaratinguetá – nasceram em áreas rurais de fazendas de café. De 1916 a 1920, o presidente do Estado Altino Arantes, de Batatais, distinguiu-se por sua participação no controle da crise do mercado cafeeiro e na política de valorização do café. Na Galeria dos Governadores, do Acervo Artístico dos Palácios, estão representados os governadores da época.
A ascensão social da elite de cafeicultores paulistas, contemporânea ao fim da monarquia e início do período republicano, até a crise de 1929, patrocinou um rico contexto cultural, cujo estímulo às artes, no início do século XX, foi de essencial importância para a produção artística inovadora do período. Além de erguerem sobrados, casas e palacetes como testemunho da arquitetura rural e urbana da época, os lucros do café patrocinaram bolsas de estudos na Europa para muitos artistas brasileiros, especialmente em Paris, centro cultural europeu e fonte dos movimentos artísticos.

 

 

As referências européias trazidas pela corte imperial portuguesa no início do século XIX e, mais tarde, no século XX, reforçadas pelo trânsito de imigrantes e brasileiros que buscavam conhecimento na Europa, refletiram-se no requinte das ambientações das sedes das fazendas e das casas da cidade, que passaram a ter porcelanas e cristais europeus importados, móveis sofisticados e retratos a óleo de proprietários e políticos. Muitos desses objetos foram produzidos no Liceu de Artes e Ofícios, berço da produção local na época. Além do Liceu, no contexto efervescente de modernização da cidade, para formar mão-de-obra local qualificada para atender às demandas da tecnologia, foram fundadas algumas instituições fundamentais, como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Escola Politécnica, a Escola de Engenharia do Mackenzie e a Faculdade de Medicina.
Em um primeiro momento, a nova cidade apresenta uma arquitetura historicista, art nouveau e neoclássica. Especialmente nessa época, há um boom institucional: o Estado aparece como um grande cliente, com a construção dos edifícios de administração pública, as Secretarias, as faculdades e escolas superiores, o Theatro Municipal, a Santa Casa de Misericórdia, o Liceu de Artes e Ofícios e outras tantas edificações de feição eclética.
São Paulo se expandiu pelo centro e o primeiro bairro planejado foi Campos Elíseos. Demolida a taipa colonial, a cidade passa a ter técnicas construtivas novas, como o tijolo, da década de 1870 até a de 1940. Durante esses anos, a idéia foi dar um aspecto europeu à cidade, seguindo com a sua verticalização, depois da primeira guerra, à semelhança do modelo eclético norte-americano, como no caso da estação ferroviária Sorocabana e da construção do Edifício Martinelli.
Os tempos do café em São Paulo – dos anos de 1890 a 1930 –, em uma perspectiva ampla, foram um divisor de pensamento da modernidade do panorama cultural das cidades paulistas. As influências artísticas da Academia Imperial de Belas Artes, segundo os modelos dos mestres da Missão Artística Francesa no Rio de Janeiro do século XIX, foram sendo sintetizadas, ao longo desse período, pela velocidade das transformações tecnológicas do crescimento social, econômico e urbano que mudou radicalmente o estado. Em um lado do jogo de forças para o tão sonhado progresso, estava a elite que apresentava o universo do refinamento europeu e, no outro, o grupo de intelectuais e artistas que ansiavam pelas mudanças inovadoras estéticas e de comportamento da sociedade.
Na década de 1920, o marco dessa conquista da modernidade se configura nas artes: a Semana de Arte Moderna de 22, no Theatro Municipal de São Paulo, cuja repercussão e importância só foram sentidas mais recentemente. A comunhão de idéias renovadoras de artistas que desabrocharam no tempo de uma cidade nova que também florescia foi encabeçada por alguns dos participantes desta exposição, como Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Lasar Segall, Victor Brecheret e Oswaldo Goeldi.
É dentro dessa atmosfera de busca por uma arte moderna que a exposição Arte nos Tempos do Café apresenta uma seleção de imagens, móveis e objetos do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo e de outras instituições paulistas associadas a essa profícua época. Mesmo que algumas das peças não tenham sido produzidas no período, relacionam-se ao tema e aos artistas que conviveram com esse contexto de músicos como Villa-Lobos e Guiomar Novaes e dos intelectuais Oswald de Andrade, Graça Aranha, Mário de Andrade, Plínio Salgado, Sérgio Milliet e Menotti Del Picchia.
O percurso propõe a reflexão de temas que pontuaram as relações entre artistas brasileiros e imigrantes, o contexto arquitetônico da cidade de São Paulo e a ascensão social e econômica da época, por meio de obras que acompanharam as mudanças estéticas das artes nesse período que transformou São Paulo, entre o final do século XIX e o início do XX.


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